Entre a lamentação e a preocupação, a graça do tempo presente!

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Luiz Sureki, SJ

Tomemos como uma inspiração inicial para nossa reflexão um breve conto oriental intitulado: “O homem sábio”.

As pessoas vêm ao homem sábio, reclamando sempre dos mesmos problemas.

Um dia ele contou uma piada e todos caíram na gargalhada.

Depois de alguns minutos, ele contou a mesma piada e apenas alguns deles sorriram.

Quando ele contou a mesma piada pela terceira vez, ninguém se riu.

O sábio sorriu e disse:

“Você não pode rir da mesma piada de novo e de novo. Então, por que você está sempre chorando sobre o mesmo problema?”

 

Este conto nos convida a uma reflexão sobre a natureza humana, o tempo e a forma como lidamos com os problemas que nos assolam. Em sua simplicidade, a narrativa revela uma verdade existencial muito importante: a repetição, seja de risos ou de lágrimas, perde seu significado quando desconectada da consciência do momento presente. Algo semelhante expressamos com o provérbio popular: “Não adianta chorar o leite derramado”. Ele transmite um ensinamento para a vida: quem chora o leite derramado, perde tempo chorando por algo que não pode ser mudado, ao invés de aproveitar o tempo para pensar numa forma de adquirir mais leite.

Quando nos apegamos a um problema e ficamos revivendo-o mentalmente, ele perde sua conexão com a realidade e se transforma em um ciclo vicioso de preocupação e lamentação que rouba o tempo presente, mingua a energia e compromete a positividade do futuro.

Enquanto a lamentação se volta para o passado, a preocupação se lança para o futuro; e ambas se fortalecem na mesma medida do enfraquecimento do presente.

Lamentação é uma resposta emocional e existencial a uma perda, frustração ou adversidade percebida, caracterizada por um estado de descontentamento persistente com o curso dos eventos passados, que reflete uma recusa em aceitar a irreversibilidade do tempo e a finitude das experiências humanas, perpetuando um ciclo de insatisfação, estagnação emocional e psicológica. Filosoficamente, a lamentação pode ser entendida como um fenômeno que reflete tanto a fragilidade humana diante da contingência do mundo quanto a tensão entre o que é e o que se deseja que fosse; evidenciando, assim, a complexa relação do ser humano com o tempo, a finitude e o sentido. A lamentação pode ainda gerar sentimentos de amargura, frustração e desesperança, e alimentar a autossabotagem, minando a autoestima e a capacidade de tomar decisões assertivas. Ao permanecer presa ao ciclo de ressentimento, a pessoa também afasta oportunidades de crescimento pessoal e relacionamentos saudáveis, bloqueia a possibilidade de cura e renovação.

Preocupação, por sua vez, é a projeção mental antecipatória de situações futuras, acompanhada pela atribuição de significados e possibilidades, muitas vezes carregada de uma tensão emocional que reflete o desejo de controle sobre o incerto ou o imprevisível. A preocupação projeta-se no futuro, antecipando ameaças e incertezas que ainda não existem, alimentando ansiedade e dispersão. O grande malefício da preocupação com o futuro é a alienação do presente, que resulta no esvaziamento da vivência autêntica e na paralisação da ação consciente. A preocupação excessiva gera ansiedade, insegurança e um sentimento de impotência, impedindo a pessoa de agir com clareza e propósito no hoje da vida. Ao antecipar adversidades de forma desmedida, a preocupação cria uma falsa sensação de controle, enquanto, paradoxalmente, mina a capacidade de enfrentar os desafios reais quando eles surgem. Assim, a preocupação excessiva não apenas compromete o bem-estar emocional, mas também afasta a pessoa da possibilidade de construir, no presente, as condições para um futuro mais equilibrado e significativo.

A lamentação tende à depressão, e a preocupação à ansiedade. Quando a lamentação e a preocupação se juntam, a pessoa fica presa entre um passado que não pode mudar e um futuro que não pode controlar. Essa dualidade o aliena do presente, única dimensão real e transformadora. Libertar-se dessa prisão exige atenção consciente ao presente da vida e confiança na providência divina.

Nesse sentido, o ensinamento de Jesus Cristo, na passagem de Mt 6, 31-34, é deveras ilustrativa:

Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? Pois o vosso Pai celestial sabe que necessitais de todas essas coisas. Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas. Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus próprios cuidados.

Santa (Madre) Teresa de Calcutá se expressou assim: “Ontem foi embora. Amanhã ainda não veio. Temos somente hoje, comecemos! Qualquer ato de amor, por menor que seja, é um trabalho pela paz.”

Neste início de ano acadêmico, vamos procurar nos concentrar no que estamos fazendo agora, e, assim, diminuir as lamentações pelo que não foi bom no ano passado e as preocupações pelo que não sabemos se será bom no ano que vem. O tempo presente é (de) graça, é dádiva; por isso se chama “presente”!

 

Luiz Sureki, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE

 

Foto: Shutterstock

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