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Espiritualidade pascal, caminho e apostolado

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Washington Paranhos, SJ

Jesus, chamando os seus ao apostolado, dirige a eles aquelas palavras que são sempre atuais, que tocam a todos convocados para o trabalho da vinha: “Vinde após mim, e eu farei de vós pescadores de homens” (Mt 4,19). O Novo Testamento registra a maneira desse chamado e o conteúdo dessa entrega. Há, portanto, três etapas desse convite dinâmico.

 

Chamados a uma intimidade divina

Em primeiro lugar, há o convite para vir na sua intimidade. Quando uma pessoa diz à outra: Vem comigo, ela a convida à participação, à partilha, até certo ponto, à intimidade. Essa percepção é tão verdadeira nos primeiros destinatários desse chamado, que um deles, chamado João, oitenta anos depois do evento, chegou a registrar o horário exato em que ocorreu, especificando: “Era por volta das quatro horas da tarde” (Jo 1,39).

Os detalhes são lembrados, somente quando o evento toca as profundezas do coração. Convém enfatizar novamente que a memória, como a mesma palavra indica, re-cordar, nada mais é do que fazer o coração funcionar novamente.

O discípulo é um especialista no amor do Mestre. Ele é aquele que, antes de falar, ouviu. E ouviu na intimidade, como a esposa de Oséias conduzida ao deserto, que é o lugar privilegiado onde o esposo pronuncia sua palavra de amor (cf. Os 2,16). O discípulo é aquele que conhece, como João, o que significa deitar a cabeça sobre o peito do Mestre (Jo 13,23).

Ele não está qualificado para ensinar apenas porque conhece as regras de uma determinada disciplina, ele é, em vez disso, um apaixonado que teve seu coração moldado pelo encanto vivo da existência do Mestre. O discípulo é aquele que se sente “alcançado por Jesus Cristo” (Fl 3,12).

E é, também, aquele que busca da sua parte apreendê-lo, num contínuo devir operativo daquilo que já foi recebido como dom no Batismo. Este é o jogo do amor: apreender Cristo pelo qual o discípulo já foi apreendido…

 

Colocar-se a caminho

A segunda condição para o discipulado evangélico é colocar-se a caminho. Jesus diz aos primeiros seguidores: Vinde. Este é um ato que implica essencialmente um dinamismo, um movimento. Melhor, é uma série de atos dinâmicos. É um caminho incessante. Vinde significa, antes de tudo, mover-se. Destacamos algumas situações: “Vai mais para o fundo…” disse Jesus a Pedro (Lc 5,4); “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me” (Lc 9,23).

Vinde é, portanto, o convite a seguir os passos de Cristo por um caminho que, de qualquer forma, é em subida. Mas, quando uma pessoa toma uma direção, assume um estilo. Trilhar o caminho de Jesus, na verdade, trilhar o caminho que é Jesus, é fazer suas também as próprias escolhas, aproximar-se das experiências interiores, um fazer como. Agora, as escolhas de Jesus são todas resumidas no duplo evento de um deserto e um jardim. No deserto Ele escolhe, no início da vida pública, um tipo de messianismo que é a rejeição do modelo messiânico:

  • Do materialismo: a saciedade dos pães;
  • Do espetacularismo: o lançamento do pináculo do templo;
  • Do politiquismo: dominar os reinos da terra.

O messianismo escolhido por Jesus, ou seja, seu estilo de ser consagrado a Deus (Mashiah significa, justamente, consagrado para ser apóstolo enviado aos irmãos) tem como conteúdo tanto a lógica quanto a práxis da cruz encarada no amor.

Para Cristo isso significava:

  • uma vida de pobreza e não de riqueza,
  • de humildade e não de grandeza,
  • de franqueza de anúncio e não de compromisso,
  • de escolha do ser humano e não dos sistemas,
  • de preferência pelos pobres e não de apoio aos poderosos,
  • de aceitação da perseguição e não de fuga das responsabilidades.

O messianismo escolhido no deserto, enfim, envolvia o servir renunciando à lógica do se fazer servir. E este servir será levado até o fim do caminho de seu ocaso terreno, marcado pela tortura e ignomínia da cruz.

A experiência getzemanica do jardim, portanto, é a confirmação da experiência do deserto, que é a aceitação da vontade do Pai, em dar pleno cumprimento a esse estilo messiânico escolhido, tão diferente do messianismo triunfalista, objeto das expectativas do povo. O cumprimento é chamado de evento da Páscoa: pagar com o próprio sangue pela salvação da humanidade, para chegar à ressurreição através do sofrimento e da morte.

O discípulo é, portanto, aquele que aceita o vem comigo, ele é alguém que é discibilis (discípulo), ou seja, amestrável com a incisão da experiência. É aquele que não fala a menos que experimente primeiro. É um anunciador de Cristo depois de se familiarizar com Ele, ao longo das estradas de Cristo: humilhação, serviço, morte-exaltação e ressurreição.

O caminho do discípulo, portanto, pode ser descrito como, em primeiro lugar, um movimento descendente e, em seguida, um movimento de retorno ascendente, isto é, uma experiência de morte e ressurreição. O discípulo é assim, porque aceita a lógica e as consequências da existência da Lei Pascal da vida. Conhece os ápices, porque conheceu os abismos.

 

Pescadores de homens

Somente neste ponto, que é o momento espiritual do discipulado, pode-se tornar, como humildes instrumentos, pescadores de homens. A formação é a base da missão: “Vinde após mim, e eu farei de vós pescadores de homens” (Mt 4,19).

Esta imagem que Jesus extrai da profissão de alguns dos doze primeiros seguidores, compreende detalhes muito interessantes. Em primeiro lugar, os homens aqui são retratados como peixes do mar. Tertuliano dirá: “Pisciculi Christi sumus” (somos peixinhos de Cristo).

A rede faz pensar em cilada. O discípulo, que segue o Mestre em todas as suas posições, tendo que compartilhar tudo com ele, também deve participar dessa operação de emboscada.

Ele é a longa manus do Mestre à espreita. E visto que a emboscada do Mestre é uma obra de amor, porque sua rede é feita com os fios de seu sacrifício, de seu serviço, o discípulo torna-se, portanto, uma extensão da mão e do coração do Mestre. Só assim os peixinhos se amontoam na rede do Vivente invisível: através do trabalho dos seus discípulos visíveis, amorosos e atenciosos, discretos e respeitosos, delicados e corajosos. A rede mais sólida é o testemunho mais credível. Faz-se necessário que o discípulo se torne cada dia Evangelho cantado.

Uma vez inseridos na rede, nesta experiência de salvação de comunhão, a humanidade entoará o credo da esperança ecológica com os matizes mais caros aos contemporâneos, sedentos de esperança.  Fazemo-lo com a fórmula de D. Pedro Casaldáliga:

Cremos em Ti, Deus de todos os nomes,
presente em todas as culturas,
buscado em todos os corações,
Vida da vida e amor do amor.
(…)

Cremos em tua Palavra,
cremos no teu Silêncio,
cremos em tua Presença,
cremos em tua Vinda.

Cremos em Ti e Te amamos
e amamos tudo o que há no Céu e na Terra,
no Ar e nas Águas, na Vida e na História.

É esperamos e fazemos contigo,
entre sombras e luzes, mas a certeza do teu Amor Fiel,
o novo Céu e a nova Terra
que teu Coração nos garante.

Amém, Axé, Awere, Aleluia!

 

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