Pe. Jaldemir Vitório SJ
A palavra inglesa fake news já entrou no linguajar brasileiro, como se fora um vocábulo da nossa língua. O substantivo news significa notícia, novidade, informação. O adjetivo fake, por sua vez, tem a conotação de mentira, falsidade, engano. As duas palavras juntas têm o significado de notícia mentirosa, informação falsa, novidade enganosa. Uma fake news pode ser criada de forma deliberada com a intenção de disseminar inverdades em proveito próprio ou para prejudicar alguém. Quando uma pessoa sem discernimento a recebe, ao considerá-la verdadeira, compartilha-a com seus contatos, de modo que a invencionice vai se disseminando de maneira incontrolável, com um rastro imenso de consequências.
Uma fake news pode originar-se, também, pela imprudência de quem tem acesso a uma informação e passa adiante uma compreensão pessoal dos fatos, deixando de lado a preocupação de averiguar sua veracidade. Haverá o risco de se tratar de interpretação fantasiosa que, largamente divulgada, assuma ares de verdade, até ser desmascarada.
São muitas as origens das fake news. Mesmo quem não compactua com elas, se lhe faltar bom-senso e lucidez, tornar-se-á criador e disseminador de informações distorcidas. Por outro lado, inclusive pessoas que desejam ser verdadeiras, arriscam-se a passar adiante fake news, se forem apressadas em receber e compartilhar informações. É preciso muito discernimento!
O fenômeno das fake news passa a falsa impressão de se limitar ao mundo digital, como se fosse coisa da internet. Pelo contrário, em qualquer lugar onde convivem seres humanos, pode se espalhar como erva daninha, caso não lhe seja dado um basta. Ele está presente nos ambientes familiares, nos círculos de colegas e amigos, na política, no mundo do trabalho e do lazer e, quem diria?, no meio religioso e nas igrejas. Quiçá a identificação das fakenews com o contexto cibernético se deva ao poder inimaginável de compartilhamento típico da Rede Mundial da Computadores, a www.
Esse fenômeno mundial, do qual ninguém pode se esquivar, coloca sérios problemas para a consciência dos cristãos desejosos de viver sua fé com qualidade ética, num estilo de vida alternativo às armadilhas do mundo. Trata-se do desafio de ser verdadeiro no falar! O ensinamento de Jesus de Nazaré a seus discípulos não deixa espaço para dúvidas: “seja o ‘sim’ de vocês, sim, e o ‘não’, não. Tudo que for além vem do Maligno” (Mt 5,37). Por isso, o cristão não deveria precisar recorrer a juramentos e a documentos assinados, com firma reconhecida, como garantia de estar falando a verdade. A bem-aventurança da “pureza de coração” (Mt 5,8) liga-se a esse modo de proceder do discípulo. Por ser puro de coração, jamais será movido por segundas intenções no falar e sua palavra se tornará digna de crédito. Portanto, a bem-aventurança evangélica jamais se aplica aos produtores e divulgadores maliciosos de fake news. São filhos do “diabo”, que “é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8,44), enquanto Jesus é “a verdade” (Jo 14,6).
Tem-se a impressão de que o apóstolo Paulo se viu às voltas com o problema das fake news, de maneira muito peculiar, quando, escrevendo à comunidade dos cristãos de Corinto, diz: “nós não somos como os muitos que falsificam a Palavra de Deus. Antes, com sinceridade, na condição de enviados de Deus, nós falamos, na presença de Deus, em Cristo” (2Cor 2,17). Os falsificadores da Palavra de Deus, nas comunidades cristãs, correspondem aos falsos profetas bíblicos de outrora que, por falarem algo em nome de Deus, sem a ordem e a permissão divina, deveriam ser eliminados do meio do povo (Dt 18,20). Paulo, por sua vez, revela-se veraz em sua pregação pela consciência de falar, sempre, “na presença de Deus” a quem cabia julgar a lisura de suas palavras.
O autor da Carta de Tiago, ao retomar Mt 5,34-37, tenta dar um basta às fake news em sua comunidade. Ao alerta “seja o ‘sim’ de vocês, sim, e o ‘não’, não”, segue-se uma séria advertência: “para que vocês não incorram em julgamento” (Tg 5,12). Em outras palavras, chama a atenção dos irmãos e das irmãs para a severidade com que Deus julgará os enganadores, as pessoas sem credibilidade, a quem não se pode dar ouvido. A profissão de fé deveria motivá-los a se comprometerem a falar a verdade, sempre e em tudo, embora, devendo pagar um alto preço por sua opção.
Os políticos, em Brasília, desde 2020, estão às voltas com a discussão em torno do PL 2630, que pretende instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, conhecida como Lei das Fake News. O tema espinhoso levanta inúmeras questões a serem devidamente ponderadas e equacionadas, até se chegar a uma formulação adequada da Lei.
Um “detalhe” chama-me a atenção: a resistência de certos grupos de parlamentares que, embora se declarando cristãos, colocam empecilhos para que o Projeto de Lei seja aprovado. Se, de fato, estivessem comprometidos com a verdade, por causa do Evangelho e em nome da fé, seriam os primeiros a se empenhar e a dar o melhor de si para que as fakenews sejam coibidas no mundo digital. A posição contrária à PL 2630 pode ser um sério indício de se tratar de falsos profetas, falsificadores da Palavra de Deus, como denunciou o apóstolo Paulo. Uma postura abominável de quem se apresenta como discípulo de Jesus de Nazaré! Afinal, fake news, qualquer que seja a procedência e a forma de propagação, não é coisa de cristãos!
Jaldemir Vitório SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE