J. I. González Faus: de projeto de irmão à plenitude humana

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Elias Fernandes Pinto

Na quinta-feira, 6 de março, fomos surpreendidos com o falecimento do teólogo J. I. González Faus, em Sant Cugat del Vallés, aos 91 anos de idade, 61 de sacerdócio e 74 de Companhia de Jesus. Ele Nasceu em Valência, Espanha, em 27/12/1933, ingressou na Companhia em 06/10/1950 e foi ordenado em Valência em 28/07/1963. Foi professor de teologia, escritor e diretor de revistas como Selecciones de Teología. Com sua vasta produção acadêmica no campo da teologia, algumas delas traduzidas para o português, como: Acesso a Jesus: Ensaio de teologia narrativa; 10 heresias do catolicismo atual; Confio: comentário ao Credo cristão; Depois de Deus… ele influenciou uma geração de teólogos/as, especialmente na América Latina, devido à sua proximidade epistemológica com as reflexões neste continente. Seu pensamento, profundamente enraizado no Evangelho e atento às realidades sociais, desafiou estruturas eclesiais e políticas, promovendo uma teologia comprometida com os mais pobres, as vítimas sistêmicas.

Particularmente, sua produção teológica foi essencial para minha formação acadêmica, nas pesquisas no programa de Pós-graduação em Teologia da FAJE, mestrado, com a dissertação: A acolhida do Dom de Deus: a justificação como humanização pela fé em Jesus Cristo na perspectiva de J. I. González Faus e no doutorado, com a tese: Acolhida da Graça e humanização integral: pensar a Graça hoje em diálogo com J. L. Segundo e J. I. González Faus.

Embora não tenham sido traduzidas para o português, oxalá se esse projeto pudesse se desenvolver, as obras chave de seu pensamento foram a de cristologia: La humanidad nueva: ensayo de cristología e a de antropologia: Proyecto de hermano: visión creyente del hombre. Recentemente, esta última obra foi revisada e publicada em três volumes, os quais podem ser entendidos como obras de maturidade[2] do autor: La inhumanidad: reflexiones sobre el mal moralPlenitud humana: reflexiones sobre la bondad; Llegar a ser lo que somos: hermanos.

Na cristologia de González Faus aparece a tese que, no artigo à modo de testamento espiritual, O que aprendi, publicado em 18 de set. 2024, ele a considera como sua espiritualidade. “O cristianismo não é uma vertical, mas uma horizontal; porém, uma horizontal que não substitui a vertical, mas se sustenta nela”[3]. Trata-se de uma horizontalidade que não se funda na substituição do Vertical pelo horizontal, mas na sustentação do horizontal pelo Vertical[4]. O conteúdo dessa horizontalidade é a fraternidade plena. Na linguagem religiosa, a comunhão de todos com todos. Para isso aponta o título da obra, La humanidad nueva. A Humanidade Nova é a de Jesus, cuja novidade humana brota da presença de Deus n’Ele, e realiza a pretensão utópica inscrita no coração humano. Essa Nova Humanidade fundamenta o imperativo de uma nova humanidade radicada na fraternidade que brota da filiação divina de todos em Jesus Cristo. Horizontalidade e verticalidade não são dilemas no cristianismo, pois há uma horizontalidade que pode ser vivida como Graça, Dom de Deus.

Esta intuição vem da espiritualidade inaciana, com o lema: “a maior glória de Deus”. Ao aprofundar na tradição cristã, González Faus se deparou com a frase de Santo Irineu, sobre quem ele escreveu sua tese de doutorado[5], que o ajudou a viver esta espiritualidade: “A glória de Deus é que o homem viva; e a plenitude da vida humana é Deus”[6]. Desta forma, tudo que chamamos de religioso ganha um novo sentido em relação à vida e à dignidade da pessoa humana, iniciando pelos mais pobres e fragilizados. Em consequência, tudo que se refere à vida digna do ser humano se refere também a Deus. Contudo, não somos “salvadores”, mas irmãos.

Nesta temática, temos o esclarecedor título da antropologia de González Faus: Proyecto de Hermano[7]. O cristão é, por essência, um projeto de filho. No entanto, o título da obra do teólogo catalão é uma crítica à compreensão unilateral da filiação, ou seja, aquela que exclui a dimensão da fraternidade e da irmandade. O Cristão é essencialmente um projeto de filho.

Recentemente, ele acrescentou que a existência humana está inevitavelmente ligada à do planeta. O desenvolvimento ocorreu às custas da degradação tanto do ser humano quanto da natureza. Não se pode justificar esse horror como o preço a pagar pelo progresso. Em meio a essa crise faz-se necessário mudar a lógica do sistema, que mata, exclui e vê a criação de Deus como instrumento de exploração e lucro desmedido. Estamos dispostos? Se não, é preciso reconhecer a possibilidade de um fim catastrófico. Contudo, o ser humano está sob o olhar benevolente de Deus e, o amor de Deus como ponto de partida sempre abre um caminho de esperança.

A espiritualidade vivida por González Faus é profundamente realista e marcada pela esperança cristã: crer no Deus revelado por Jesus e crer no ser humano porque Deus primeiro acreditou nele e, nesta aposta de Deus por nós Ele nos salva[8]. Por isso o subtítulo deste artigo: J. I. González Faus: de projeto de irmão à plenitude humana. A vida de González Faus foi marcada pela busca da fraternidade, o projeto de irmão. Neste momento em que ele parte para a eternidade, ele vive a plenitude humana, plenificação do projeto de irmão, fruto da ação de Deus, cujo parâmetro é a humanidade de Jesus.

Como pesquisador sou profundamente grato a González Faus pela imensa obra teológica e pelo testemunho deixado. O Agradeço pelas conversas ao longo da pesquisa e por tantas contribuições. Dele aprendi uma teologia soteriológica e marcada pela vida humana em sua dignidade. Que o tesouro da Tradição cristã precisa ser dito numa linguagem crível ao ser humano de hoje e tem muito a contribuir com a sociedade atual. Que seu legado continue vivo entre nós! E que ele, na comunhão com Deus, interceda por nós, especialmente pelos pobres e pelo nosso planeta.

 

Elias Fernandes Pinto é Presbítero da Diocese de Caratinga, MG, mestre e doutor em teologia pela FAJE.

 

[2] GORDO, Jesús Martínez. José I. González Faus: “toda persona está bañada por la gracia, incluso en la desgracia”. Disponivel em: https://blog.cristianismeijusticia.net/2025/03/07/jose-i-gonzalez-faus-toda-persona-esta-banada-por-la-gracia-incluso-en-la-desgracia. Acesso em: 08 mar. 2025.

[3] GONZALEZ FAUS, José Ignacio. ¿Un “testamento espiritual”? “Lo que he aprendido”. Religión Digital: Miradas cristianas, 18 de set. 2024. Disponível em: https://www.religiondigital.org/miradas_cristianas/testamento-espiritual-faus-jesuita-trayectoria-teologia-mundo-iglesia_7_2707899190.html. Acesso em: 07 mar. 2025.

[4] GONZÁLEZ FAUS, José Ignacio. La Humanidad Nueva: ensayo de Cristología. 10.ed. Maliaño: Sal Terrae, 2016, p. 23-24.

[5] GONZÁLEZ FAUS, José Ignacio. Carne de Dios: significado salvador de la encarnación en la teología de San Ireneo. Barcelona: Herder, 1969.

[6] O próprio González Faus adverte que no original que se conserva não se encontra o verbo: “gloria Dei vivens homo; vita autem hominis visio Dei” (IRINEU, Contra as heresias, IV, 20, 7).

[7] GONZÁLEZ FAUS, José Ignacio. Proyecto de hermano: visión creyente del hombre. 2. ed. Santander: Sal Terrae, 1991. (Presencia teológica, 40).

[8] GONZÁLEZ FAUS, José Ignacio. Acceso a Jesús. 10.ed. Maliaño: Sal Terrae, 2018. E-book. (Presencia Teológica, 263), p. 215.

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