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Logos e Logias: isso dá o que pensar!

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Luiz Sureki, SJ

No cotidiano da nossa vida acadêmica é muito comum encontrarmos o termo logia – derivado do termo grego logos (λόγος) – atrelado a um outro substantivo para designar uma ciência, um conjunto de conhecimentos que nós humanos elaboramos sobre alguma coisa, e que uma vez comprovados são compartilhados pela comunidade científica.

Assim, a geologia, por exemplo, é a ciência que estuda a Terra, sua composição, estrutura, processos e história. Abrange uma ampla gama de subdisciplinas que investigam desde a formação de rochas e minerais até os processos que moldam a superfície terrestre. Daí derivam, por exemplo, a mineralogia, a petrologia, a paleontologia, a hidrologia entre outras. Minerais, pedras, fósseis, água etc., todos esses substantivos vêm acompanhados igualmente da “logia” para indicar uma “ciência” específica. A biologia, para dar um outro exemplo, se entende como a ciência que estuda os seres vivos e os processos que os regem, abrangendo desde as estruturas microscópicas das células até o funcionamento dos ecossistemas complexos. A fisiologia, a ecologia, a zoologia, a microbiologia são algumas de suas muitas subdisciplinas. E assim temos uma pluralidade extraordinária de logias.

Mas será que o λόγος é realmente plural? Não são todos os geólogos e biólogos, assim como teólogos e psicólogos, seres humanos, homens e mulheres? Se sim, então, o que dizer da antropologia e dos antropólogos? Estariam estes se ocupando de uma outra ciência ao lado das outras tantas praticadas pelos cientistas? Sabemos que esta ciência, a antropologia, com suas múltiplas variáveis – antropologia filosófica, antropologia teológica, antropologia cultural, antropologia religiosa etc. – trata, sob aspectos distintos, do (mesmo) homem, tomando-o como “objeto” de estudo.

Seria então o logos do anthropos o denominador comum de todas as ciências? Se sim, então como é que nós estabelecemos as devidas relações lógicas entre as diversas logias das ciências praticadas, incluindo as antropologias, senão concebendo ou pressupondo um λόγος mais abrangente? Me recordo, a propósito, de um famoso dito atribuído a Heráclito de Éfeso em que dizia: “não de mim, mas do λόγος tendo ouvido falar, é sábio homologar que tudo é um”.

Com efeito, não estuda com profundidade os problemas ecológicos quem não se vê, integralmente, implicado neles; nem estuda filosofia quem não se vê interpelado afetivamente pela sabedoria, nem estuda teologia quem não busca autocompreender-se a partir dela. E assim, não fala com propriedade do cosmos quem não percebe o elemento cósmico presente nele próprio; nem critica com pertinência os sistemas éticos quem não percebesse que a ética também deve estar presente na sua própria crítica; nem dá um bom curso de metodologia quem negligenciasse que o seu curso reclama igualmente um método.

O caminho da crescente fragmentação do pensamento filosófico, teológico e científico e a compartimentação dos saberes especializados vem sendo propagado, proposto e altamente valorizado pelas instâncias avaliativas dos cursos vigentes de graduação e pós-graduação. O resultado é que cresce exponencialmente o número de especialistas, mas diminui inversamente proporcional o número de sábios.

Esse fenômeno pode ser visto como um reflexo (tardio?) do positivismo e do cientificismo, que valorizam o conhecimento empírico e técnico, mas frequentemente negligenciam as interconexões filosóficas e espirituais entre os saberes. Autores como Edgar Morin, em sua teoria da complexidade, e Raimon Panikkar, com sua visão cosmoteândrica, argumentam que o verdadeiro conhecimento é aquele que compreende as relações entre as partes e o todo, integrando diferentes disciplinas e perspectivas. O logos é dialógico!

Não se trata, portanto, somente de uma logia particular de uma ciência específica ou de logias independentes de várias ciências específicas. A relação, a interconexão entre elas também é logia, e esta não se resume à antropologia ou à chamada teoria do conhecimento humano. Poderíamos arriscar a dizer que compreendendo o homem e seu modo específico de compreensão das coisas, compreendemos todas as coisas à nossa própria medida de compreensão.

Desde aí pode surgir outras perguntas, por exemplo: e será que nós realmente nos conhecemos suficientemente bem? E será que o que conhecemos das coisas coincide com o que realmente as coisas são em si mesmas? Por que há tantas teorias divergentes sobre a/uma mesma coisa? Será que a teoria do big bang ainda é sustentável?

Quando se fala em bilhões de anos luz, não se está falando de tempo, mas de distância! Fazemos as contas a partir de nós e da velocidade da luz. Assim dizemos que nós, viajando (hipoteticamente) na velocidade da luz, precisaríamos de tantos bilhões de anos para chegar a um determinado ponto/astro encontrado no universo, e daí inferimos imediatamente o inverso, que a luz que percebemos hoje desse mesmo astro por nós detectado teria levado os mesmos tantos bilhões de anos para chegar até nós e que, portanto, esse astro existe há pelos menos os tantos bilhões de anos ou até mesmo já não mais existe realmente e só vemos dele sua luz. Comprovar a existência de um tal astro que até possivelmente não mais existe numa escala de bilhões de anos que superam os da existência do planeta Terra é sempre, no mínimo, complicado, porque também já sabemos que a escala temporal que usamos não é válida do mesmo modo em todos os recônditos do universo.

Se hipoteticamente tudo tivesse sido criado num mesmo “instante”, conjuntamente com o próprio tempo, seguir-se-ia logicamente que a distância entre os astros e galáxias no universo em relação a nós não revela a sua idade, mas tão somente sua distância de nós! Não estou dizendo isso para defender algum criacionismo bíblico acrítico e anticientífico, mas antes para nos levar a pensar nas muitas perguntas em aberto para serem respondidas, não porque não há ou não houvesse um logos em tudo isso, mas porque esse Logos transcende sobejamente os limites do nosso logos racional, científico, experimental, demonstrativo. Dito de outro modo, o nosso logos investigativo, objetivo e objetivante é uma pequena parte de um Logos infinitamente maior.

Os exemplos dados anteriormente das ciências particulares não são só particulares porque todas elas tomam como objeto de estudo um algo particular do nosso mundo/planeta Terra, mas também são particulares aquelas ciências que tomam o próprio mundo/planeta Terra como objeto de estudo. Na escala planetária se situa o nosso planeta como um entre outros planetas do sistema solar; e quem estuda o sistema solar o vê muito pequeno na galáxia chamada Via Láctea; e quem estuda esta a vê muito pequena entre as bilhões de galáxias do universo físico “visível”, e quem estuda o universo já cogita a possibilidade de haver multiversos….

Tomar consciência da própria insignificância no todo universo não é um sinal de ignorância, mas o primeiro passo da humildade que nos permite perceber que o universo não deve nada a nós, segue suas próprias leis, seu próprio logos. O sol não depende de mim ou de você para brilhar e para continuar brilhando. O material combustível que ele consome para brilhar não vem de mim nem de você, ele nos antecedeu e nos sucederá. Na escala universal, a minha e a tua existência ou não existência neste planeta Terra se aproxima do valor zero!

Saber de tudo isso não muda nada no universo, mas pode mudar muito em mim e em você e no ambiente em torno a nós! Minha vida e tua vida são tão misteriosas quanto o universo inteiro! Quando dormimos, todo o mecanismo vital de nosso organismo continua funcionando independentemente de sermos cientistas experts nisso ou não! Nosso corpo segue uma lógica natural de subsistência que não depende somente e exclusivamente do nosso logos racional pensante e desejante. Não dá para sobreviver somente pensando em comida e desejando comer, é preciso efetivamente comer.

Nossas perguntas sobre o universo e origem da vida são mais numerosas que as respostas que temos até agora! Se é verdade que quem pergunta por algo já sabe alguma coisa sobre o quê pergunta, pois se não soubesse não poderia formular a pergunta, por outro lado também é verdade que quem pergunta por algo não sabe totalmente a resposta, pois se soubesse não perguntava!

Se a leitura deste texto suscita perguntas em você é porque alguma coisa disso tudo você já sabe, mas é também porque você, assim como eu, não sabe de tudo, não tem domínio de conhecimento do Logos que rege a vida, o universo, os multiversos. E todas as nossas ciências (logias) somadas juntas não esgotam o Logos, antes o pressupõe para que estas sejam ou possam ser de algum modo compreensíveis, distinguíveis e praticáveis na mesma medida em que estamos integral e conscientemente imersos num todo muito maior que nós mesmos.

Nenhuma ecologia salvará nosso planeta se esta logia for tão somente a nossa! Explorar de modo mais racional e planejado o planeta, ignorando a logia do próprio planeta, não deixa de continuar sendo uma exploração e um prolongamento mais “controlado” de seu fim; é um irônico: “afundar sob controle!” Nenhuma ecoteologia salvará nosso planeta se esta logia for tão somente a dos teístas. A compreensão teísta genesíaco-abraâmica da criação da Terra não só não é compartilhada pela maioria das religiões do mundo como não é levada suficientemente a sério pelos próprios teístas que consideram equivocadamente a criação um palco do domínio do homem. A crença numa nova criação escatológica os torna insensíveis, em termos de cuidado, para com esta “provisória criação”.

Mais uma vez, nestes casos, o reducionismo do Logos às logias científicas nossas fica evidente. Isso dá o que pensar… incluindo o que estamos pensando!

Luiz Sureki, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE

Foto: Ingaav / Shutterstock

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