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Migrantes e refugiados: a urgência da cidadania universal

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Élio Gasda SJ

Homens, mulheres, crianças, milhares de pessoas debaixo de uma ponte a espera de oportunidade. Entretanto, o que lhes é dado são chicotadas, caçados como animais. (Fronteira do México com USA). Um corpo no deserto. Brasileira morreu de sede. Buscava vida digna (USA). Barracas, colchões, fraldas, brinquedos, documentos de venezuelanos imigrantes queimados na fogueira da intolerância (Chile). “Humilhação inadmissível” (Felipe González/ONU). Histórias da vida real. Cenários de uma crise humanitária. Representação das contradições internacionais.

Quem são essas pessoas? Deslocados, migrantes, refugiados. Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) define como refugiados aquelas pessoas que fogem de conflitos armados ou perseguições. A extrema vulnerabilidade provocada pela perda de seus direitos básicos, os deixa em uma situação-limite. Homens, mulheres e crianças impossibilitados de viverem em seu próprio país. Migrantes são definidos como aqueles que escolhem se deslocar em busca de melhores condições de vida e trabalho. Podem migrar dentro do próprio país ou para o exterior. Ao contrário dos refugiados, continuam a receber proteção de seus governos.

A migração não é um fenômeno novo. No entanto, nunca ocorreu em tão alta escala. Segundo o relatório anual da Acnur, até o final de 2020, 82,4 milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas. Em plena pandemia, o número de refugiados no mundo é recorde. 1% da humanidade está desabrigada, o dobro de dez anos atrás. 42% são adolescentes com até 18 anos. Uma em cada 95 pessoas do planeta está em deslocamento.
2020 foi o nono ano de crescimento seguido de deslocamentos forçados. Coincide com a concentração de riqueza. Bilionários viajam pelo espaço enquanto milhões passam fome em uma terra devastada pelo colapso climático e pela ganância. Desde 2000, a maioria da população mais pobre do mundo recebe somente 1% do aumento da riqueza global.

Em 2020, a fome atingiu 811 milhões de pessoas. Pandemia, guerras, mudanças climáticas, agronegócio afetaram a produção de alimentos (Relatório O Estado da Insegurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI) 2021). Relatório da OIT Perspectivas Sociais e do Emprego no Mundo: Tendências 2021, aponta que 220 milhões de pessoas estão desempregadas. Antes da pandemia eram 187 milhões.
A mobilidade humana não é espontânea. É consequência direta do sistema econômico global. Um mundo onde a lógica do capitalismo, o lucro, impera. Uma tecnologia que, a serviço de poucos, transforma homens e mulheres em mercadoria descartável. Permite o tráfico humano, a comércio de órgãos e a prostituição. Seres humanos coisificados. A riqueza nas mãos de poucos, poucas pessoas, poucos países. Sociedade da exclusão. Quem socorre os refugiados durante uma pandemia global?

Papa Francisco ensina que “os nacionalismos fechados e agressivos (Fratelli tutti, 11) e o individualismo radical (Fratelli tutti,105) desagregam e dividem o nós, tanto no mundo como na Igreja. O preço mais alto é pago por aqueles que mais facilmente se tornam os outros: os estrangeiros, os migrantes, os marginalizados, que habitam as periferias existenciais”.

A mais de 100 anos a Igreja dedica o último domingo do mês de setembro ao Dia mundial do migrante e do refugiado. Na mensagem deste ano, papa Francisco faz um apelo a toda humanidade “para que não existam mais muros que nos separam, nem existam mais os outros, mas só um nós, do tamanho da humanidade inteira”. Aos católicos ressalta: “a Igreja é chamada a sair pelas estradas das periferias existenciais para cuidar de quem está ferido e procurar quem anda extraviado, sem preconceitos nem medo, sem proselitismo, mas pronta a ampliar a sua tenda para acolher a todos”. E completa: “No encontro com a diversidade dos estrangeiros, dos migrantes, dos refugiados e no diálogo intercultural […] é-nos dada a oportunidade de crescer como Igreja, enriquecer-nos mutuamente”.

Papa Francisco continua seu apelo convidando homens e mulheres para juntos caminharem para “recomporem a família humana, a fim de construirmos em conjunto o nosso futuro de justiça e paz, tendo o cuidado de ninguém ficar excluído […]. O futuro das nossas sociedades é um futuro “a cores”, enriquecido pela diversidade e as relações interculturais. Por isso, hoje, devemos aprender a viver, juntos, em harmonia e paz”.
Cidadania universal! Se queremos salvar vidas, é urgente construir um mundo verdadeiramente sem fronteiras. Pensar a cidadania universal é recriar a solidariedade, o diálogo, a justiça e a paz entre os povos.
Somos todos irmãos! “Se quisermos, poderemos transformar as fronteiras em lugares privilegiados de encontro, onde possa florescer o milagre de um nós cada vez maior” (Papa Francisco).

Élio Gasda SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

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