O Conclave, Trump e o capitalismo nosso de cada dia

advanced divider

Elton Vitoriano Ribeiro, SJ

Uma fotomontagem feita pela IA (Inteligência artificial) com Donald Trump vestido como o papa foi publicada nas contas sociais da Casa Branca (residência oficial do presidente dos EUA e sede do poder executivo do governo norte-americano) poucos dias antes do início do Conclave que começou no dia 7 de maio. A mesma imagem também foi compartilhada pelo próprio presidente dos EUA em suas redes sociais. Brincadeira para alguns, sacrilégio para outros, megalomania e bizarrice para todos. Difícil saber qual foi a intenção inicial da fotomontagem, mas numa época como a nossa, da cultura capitalista da performance, todos somos instigados a aparecer o tempo todo: quem não é visto, não é lembrado!

A cultura do capitalismo da performance vive da hiperexposição e da criação contínua de imagens aditivas. Uma após a outra, somos bombardeados por elas a todo momento. Nossos celulares são verdadeiros instrumentos dessa cultura. O tempo todo recebemos mensagens, imagens, vídeos e propostas. Quem não é visto, não vende! Paradoxalmente, não nos sentimos subjugados por essa cultura, mas livres e seduzidos pelas imensas possibilidades que ela, sedutoramente, se apresenta.

Como seria de se esperar, a Imprensa do Vaticano (Vatican News) não fez nenhum comentário sobre a foto. Mas, os cardeais americanos e a Conferência dos Bispos Católicos do Estado Unidos criticaram publicamente a postagem: “Não há nada de inteligente ou engraçado nessa imagem, Sr. Presidente. Acabamos de enterrar nosso amado Papa Francisco e os cardeais estão prestes a entrar em um conclave solene para eleger um novo sucessor de São Pedro. Não zombe de nós”, diz uma postagem na conta oficial da Conferência dos Bispos.

Todo esse imbróglio acontece no tempo de preparação ao Conclave que elegerá um novo Papa. Por um lado, o Conclave é uma atividade interna da Igreja Católica. No Conclave, os cardeais elegem um bispo para a diocese de Roma que, por sua vez, tem a missão de ser Papa e presidir, na caridade, a unidade da Igreja e confirmar na fé, através de uma liderança espiritual, doutrinal e pastoral, toda a Igreja Católica. Por outro lado, nenhum Conclave teve uma exposição midiática como esse. Desde o anúncio da morte do Papa Francisco até a fumaça branca no Vaticano e a acolhida do novo Papa, tudo é milimetricamente transmitido para o mundo todo. É difícil imaginar um evento mais global do que esse.

Deixando de lado o fato de o Papa e o Presidente dos EUA serem chefes de Estado, o que geraria uma questão diplomática. Deixando de lado a discussão das relações entre política e religião, o que geraria questões filosóficas. Essa fotomontagem só é possível de ser publicada em uma sociedade como a nossa. Uma sociedade que o filósofo Byung-Chul Han chama de Infocracia. Sociedade onde a cultura capitalista da performance, vivida numa era digital abrangente, se constitui a partir das influências das tecnologias da informação na política, na sociedade e em nossas subjetividades. Uma sociedade na qual informação e comunicação são, constantemente, manipuladas, constituindo uma verdadeira caverna digital que cria em nós uma falsa sensação de liberdade e autonomia, de percepção da realidade e de poder. Na verdade a fotomontagem de Trump como Papa não é apenas uma imagem bizarra ou uma brincadeira de mau gosto, é o sintoma maior de uma sociedade que nos desafia constantemente. Desafio que se configura de muitas maneiras, mas nos últimos tempos nas formas performáticas com que os líderes políticos, retoricamente, se apresentam nas mídias e nas praças virtuais. Esse é o nosso mundo. Parafraseando São Paulo: nele vivemos, nos movemos e existimos!

Elton Vitoriano Ribeiro, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia e Reitor da FAJE

Foto: Marco Lacobucci – Shutterstock

...