O Espírito Santo atuando: início do pontificado de Leão XIV

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Francisco das Chagas Albuquerque, SJ

Passados os dias de luto e celebração pela páscoa do Papa Francisco, e em clima de profunda gratidão pelo seu testemunho de bom pastor, realizou-se a eleição do novo pontífice. Os católicos e grande parcela da humanidade aguardavam o conclave que revelaria quem sucederia o apóstolo Pedro, depois de Francisco. Graças à moderna tecnologia e uso dos meios de comunicação social, todos os que desejaram puderam acompanhar a movimentação em torno desse evento, ou pelo menos, seus principais momentos. Como se pôde perceber, trata-se de um acontecimento que mobiliza os mais diferentes grupo e setores da sociedade, independentemente da classe social a que pertence, do credo religioso que professa ou da identificação política ou ideológica. Uma pergunta se levanta ante o fenômeno da multidão reunida na Praça São Pedro e os milhões de internautas e espectadores ao redor do mundo: o que buscam e anseiam todas essas pessoas? Salvaguardando as motivações de cada uma daquelas pessoas, é forçoso reconhecer: elas são portadoras de anseios e sonhos que convergem para objetivos de grande alcance e de profundo significado para toda a humanidade.

Seguramente, está latente no íntimo de ser humano que não se deixa dominar pelo ódio ou apego a ideias anti-humanas, as pessoas de boa vontade, o desejo de viver em um mundo onde não existam violências, guerras, injustiças e misérias, mas sim harmonia e paz entre as pessoas e os povos, respeito às diferenças, promoção da vida e da dignidade humana e cuidado do planeta. Poderiam ser elencados muitos outros fatores que integram a imensa gama dos bens comuns. Cremos que o anseio por esses bens que podem ser construídos e partilhados pelas pessoas para o bem-estar de todos os seres humanos e da própria criação, que acompanha os que querem um mundo mais humanizado, era parte integrante das motivações dos assistentes que se movimentaram em torno do conclave. Não só naqueles dias, mas que acompanha o cotidiano de todos e que sempre deve estar presente em sua existência motivando um agir que contribua de uma ou de outra para vislumbrar e alcançar as transformações necessárias. Afinal, trata-se de uma tarefa que cabe a toda a humanidade.

Estreitamente relacionado com o que apontamos no parágrafo anterior, consideramos outro aspecto que podemos considerar também presente no âmago daquela multidão: a necessidade de contar com pessoas que ocupam postos de autoridade, que sejam, de fato,  referências credíveis, capazes de apontar para um futuro melhor, que sinalizem compromisso com a defesa da dignidade humanidade, promovendo a vida e aproximando-se especialmente daqueles(as) que lutam por melhores condições de vida, em todos os sentidos, em nossa sociedade; pessoas, autoridades que contribuam para a promoção da paz, da justiça e da reconciliação no mundo.

Tudo que se manifestou e o mundo que “presenciou” a escolha e o acolhimento ao Papa Leão XIV é muito bom, legítimo e verdadeiro.  Essa forma de falar, como está claro, contempla tudo o que é positivo, construtivo e animador em tudo isso. Mas, sem entrar em julgamento, nem de longe temos essa pretensão, deve-se dar um desconto, para o que há de mera externalidade, de atração pelo estético, a visualidade e o traço de espetáculo. Aliás, em sentido positivo, o conclave também é visto como espetáculo, pois se configura como tal por sua organização bem ordenada, burocratizada como estratégia de segurança, além do tom de mistério que envolve a reunião da alta hierarquia da Igreja; o forte simbolismo presente no todo do acontecimento, que tem como que seu selo a tão esperada fumata bianca (fumaça branca).

Anseia-se por testemunhas da mensagem que nos foi trazida por Jesus, que se apresenta sintetizada neste versículo: “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Neste sentido, a exortação de São Paulo IV é sempre muito atual: “O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, dizíamos ainda recentemente a um grupo de leigos, ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas” (EN, 1974, n. 41).

Mas, na verdade, o que interessa mesmo é a figura humana do eleito, que à luz fé, se dá mediante o voto dos cardeais com a assistência do Espírito, que atua acompanhando todo discernimento humano para optar pelo bem maior. Neste caso, escolher o cardeal que melhor responda aos desafios da missão da Igreja na contemporaneidade. Certamente implicará, assim sinalizou o pontífice, dar continuidade a vários processos que foram apenas iniciados pelo Papa Francisco. Como todos os que assumem esse serviço à Igreja, o Papa Leão XIV tem uma imensa e altamente importante tarefa diante da instituição Igreja católica, mas também de toda a humanidade. Há esperançosos sinais de um fecundo pontificado que impulsione o caminhar do povo de Deus.

Já em seu primeiro discurso apresentou como uma de suas bandeiras o desafio da busca de paz no mundo. Mas para levar adiante esta missão, torna-se imprescindível a unidade da Igreja em sua imensa diversidade. Apesar de sua fraqueza, pois é feita por seres humanos limitados, ela ainda goza de considerável credibilidade. A credibilidade se constrói antes de tudo mediante o testemunho, que se faz necessário em todos os âmbitos da vida eclesial. Seja no campo da moral, nas relações humanas entre seus membros, na simplicidade e coerência no modo de vida, especialmente do que exercem ministérios na comunidade eclesial, através do ser pastor com “cheiro das ovelhas” e na solidariedade com os que sofrem.

Além disso, a palavra e os apelos daquele que representa a Igreja instituição frente ao mundo, terá mais força se houver também o sinal da unidade. Portanto, o Papa Leão XIV, como os que assumem o ministério petrino, necessita que toda a Igreja viva em unidade na diversidade mediante a comunhão, deixando-se, assim, conduzir pelo Espírito Santo. Ele está sempre atuando não só na Igreja, mas também em todas as comunidades humanas e pessoas de reta intenção e comprometidas com o bem comum. O Espírito Santo age nos espaços que muitas vezes se abrem na vida das pessoas e nas relações sociais, inclusive, muitas vezes, por causa de nossas limitações. Ele estará presente no agir de todos(as) e de comunidades que querem contribuir para que a Igreja povo de Deus viva a comunhão e participação; e seja fermento de paz, justiça e reconciliação no mundo.             Diante de tudo isso, resta-nos, enquanto Povo santo de Deus (LG, n. 12), especialmente aos católicos, concentrar-se no que é essencial, que é viver o seguimento do Crucificado Ressuscitado. Ele nos amou primeiro e foi fiel ao Pai até o fim. “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). O apóstolo Paulo nos anima a todos(as) que esperamos o novo e a nova terra, que começa na história onde haja sinais do Reino de Deus, como a realização, pelo menos parcial, dos anseios que descrevemos neste texto: “E a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5-6).

Francisco das Chagas de Albuquerque, SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

Foto: Vatican News

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