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Política de extermínio em uma nação ‘cristã’

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Élio Gasda, SJ

Uma sociedade desumana! Assim nos tornamos quando agimos desumanamente com aqueles que prejulgamos culpados. Vítimas indefesas rotuladas de bandidos.

“O que se vê no Brasil foge completamente das regras que se aplicariam a uma guerra, se ela existisse. Por detrás da guerra às drogas o que existe é política de extermínio que elimina pessoas com a justificativa de levar segurança” (Alexandra Montogmery, Anistia Internacional).

Somos o país do extermínio. Assassinatos em massa estão presentes no campo, nas favelas, na Amazônia, de Norte a Sul. A polícia primeiro mata, depois acusa. E, muitas vezes, inventa provas para justificar a chacina. Corumbiara, Eldorado do Carajás, Carandiru, Vigário Geral, Complexo do Alemão, Maré, Jacarezinho, Guarujá, Bahia são a ponta do iceberg.

Vingança e barbárie sempre contra os mesmos. A política de extermínio tem corte racial e social. 83% das vítimas são negros pobres (Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2023). Essas vidas não importam. Setores indesejáveis da população são exterminados sistematicamente. Parte dos agentes de Estado descumprem a lei e aplicam sentenças inexistentes – pena de morte e tortura. Quem prende não pode julgar!

Chacinas não acontecem por acaso. O passado deixa marcas. O terreno foi adubado. São mais de duzentos anos de história de extermínio. Nossos nativos são testemunhas.

Uma nação de mais de 200 milhões de pessoas não decide de uma hora para outra apoiar a polícia na invasão de um bairro matando pessoas. Convivemos com essa brutalidade desde as origens do Estado brasileiro. Convivemos com essa brutalidade todos os dias. Dissimulados, fechamos os olhos, não interferimos. Extermínio de crianças negras não nos comove.

Morrer não é o pior. Mais degradante é ser massacrado em vida. O deixar morrer também é uma forma de assassinato. Não faltam defensores desse horror inadmissível imposto há muito tempo. Para o Estado, para as elites perversas, e quem com elas se identifica, não somos todos iguais. Alguns ficam “extremamente satisfeitos” (Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo) quando a polícia empilha cadáveres nas periferias.

São muitos mortos. É difícil imaginar o que significa existir no corpo dos que resistem a tanto abandono e brutalidade. Suportar, nisso se resume a breve existência de tantos pobres, pretos, periféricos. Suportam não porque aceitam, mas porque o descaso e o massacre deles é socialmente admitido.  Faz parte da paisagem. O Brasil é uma máquina de moer pobre.

Quando o Estado não respeita suas próprias leis não existe sociedade democrática. A democracia funciona para poucos. Uns são tratados com mais cidadania e respeito que outros. Se isso acontece, extermínios sistemáticos e seletivos, visíveis e invisíveis, são necessários para manter a ordem. Nesse país tão democrático, indesejáveis da vez são deixados para morrer.

Como é possível que a maioria dos brasileiros se sinta minimamente feliz frente à tanta violência? De quantos cadáveres precisaremos para reagir?  “Enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os povos, será impossível erradicar a violência. Acusam-se da violência os pobres, mas sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, provocará a explosão. Quando a sociedade – local, nacional ou mundial – abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade” (Papa Francisco, Evangelii gaudium, 59).

Se o Brasil fosse uma nação realmente cristã, jamais permitiria extermínio algum. É hora de responder ao apelo do Papa Francisco: “Deixem-se interpelar pelos gritos dos desprovidos de direitos, pelos clamores dos que sofrem todo o tipo de necessidade e daqueles pelos quais ninguém se interessa”.

 

Élio Gasda, SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

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