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Por uma Teologia Dialogal: reflexões a partir de “Os sete saberes necessários à educação do futuro”, de E. Morin

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Francys Silvestrini Adão SJ

As propostas de Edgar Morin, no pequeno livro “Os sete saberes necessários à educação do futuro”, contêm não somente uma nova concepção da educação, mas também uma nova concepção do conhecimento e, indo mais além, um novo modo de conceber o ser humano. O que está em jogo aqui é o tipo de humanidade e de relações que queremos construir num futuro próximo, olhando como uma boa oportunidade de transformação este tempo de crise e de transição que estamos vivendo. Nesta construção coletiva, multidimensional e global, a teologia teria ainda um lugar? Teria ela uma contribuição a dar, a partir do que lhe é próprio? Seria ela capaz de oferecer uma palavra pertinente e relevante?

Tudo dependerá, certamente, de nossa capacidade de, primeiramente, escutar os anseios, as buscas e os sonhos dos homens e mulheres desta geração e de repensar o sentido do serviço teológico. Sem negar o valor especulativo das teologias mais abstratas, trata-se de pensar a teologia em relação íntima com os homens e mulheres de fé e com aqueles e aquelas que os interrogam. No tempo das comunicações, a teologia deve entender que as “regras do jogo” cognitivo vão sendo pouco a pouco redefinidas.

O novo paradigma de conhecimento apresentado por Morin é o da complexidade. Essa ideia central de sua obra entende que todo ser humano, todo grupo sociocultural, toda disciplina científica necessitam abrir-se ao outro, renunciando a encontrar, isoladamente, uma pretensa totalidade, seja de conhecimento seja de sentido. Desde as questões epistemológicas (mais subterrâneas) às questões éticas (mais concretas), deve-se alargar a compreensão que o ser humano tem de si mesmo – e isso só é possível numa atitude de diálogo cada vez mais amplo com outros grupos e outras áreas de conhecimento.

A teologia, desde seus inícios, buscou abrir-se a outras áreas do saber, notadamente a filosofia. Mais recentemente, muitos teólogos e teólogas abriram-se também ao diálogo conceitual com as chamadas ciências humanas: a sociologia, a antropologia, a psicologia, a psicanálise… Uma boa notícia é que essa abertura continua se expandindo em muitos casos: vemos hoje também o contato da teologia com a poesia, a literatura e mesmo a gastronomia, por exemplo. Há de se esperar também um maior diálogo com a sabedoria popular e, em contexto brasileiro, com as sabedorias de matriz indígena e africana. Porém, esta abertura não pode ser meramente teórica, por mais importante que isso seja. Ela deve formar homens e mulheres de fé capazes de dialogar e de amar o diferente.

Não se pode desprezar o papel formativo e educativo da teologia. Uma das críticas que muitos setores da sociedade fazem aos homens e mulheres de Igreja consiste em seu possível fechamento em suas próprias ideias e crenças. Aparentemente, muitos membros das Igrejas, quando se expressam no espaço público, não sabem ou não estão dispostos a dialogar. É nesse contexto que cabe a pergunta: a teologia (e mais largamente, a prática eclesial) estaria formando seres humanos cheios de “certezas” ou, mais propriamente, impactados pela itinerância da “fé”? Para passar da primeira à segunda opção, deve-se certamente passar de um modelo de “transmissão de conhecimento” a um outro que se compreenda como um encontro pessoal e comunitário com Alguém – o Senhor vivo – e a construção de um itinerário comum, em parceria com os homens e mulheres de boa vontade. A melhor defesa da fé se manifesta na abertura e sensibilidade para com a vida concreta dos outros.

Em um mundo onde as próprias ciências revisam suas afirmações e aprendem a lidar com as incertezas e com os erros, uma postura teológica de superioridade em nome da inerrância da Revelação só pode produzir desconfiança ou antipatia. Ora, mesmo aqueles que professam a fé na Revelação definitiva do Deus de Jesus Cristo expressa nas Escrituras, acolhida e conservada pela Tradição, ensinada pelo Magistério, não podem ignorar a possível inadequação de suas próprias interpretações do Mistério.

Também as doutrinas são constantemente revisitadas e revisadas, para verificar se a interpretação atual conserva seu conteúdo salvífico original. O que nas ciências se confirma a partir da verificação com as experimentações empíricas, em teologia deve se confirmar tendo em vista a concretização do projeto salvífico divino, revelado na história da salvação e plenificado em Jesus Cristo, pela força do Espírito. Tendo isso em vista, uma reflexão teológica que não seja mais capaz de comunicar nenhuma Boa Notícia aos homens e mulheres deste tempo pode perder sua razão de existir.

Muito mais conscientes dos próprios limites de seu conhecimento, mas também alegres pela companhia de tantos grupos distintos que buscam a verdade e o bem, os teólogos e as teólogas de hoje podem ajudar no surgimento de uma nova humanidade: inteiramente “encarnada” (como Jesus Cristo), assumindo plenamente a singularidade de cada pessoa e grupo cultural, e intrinsecamente “relacional” (como a Trindade santa), reconhecendo que a felicidade só pode ser encontrada quando nós buscamos o bem do outro, celebrando a inesgotável riqueza de nossas diferenças em comunhão.

 

Francys Silvestrini Adão SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

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