Pesquisar
Close this search box.

Sabedoria e Tecnologia

advanced divider

Elton Vitoriano Ribeiro, SJ

A Inteligência Artificial tornou-se um tema recorrente em nossa sociedade. Chat GPT, algoritmos, aplicativos, buscadores do Google, redes sociais, robôs, supercomputadores.  A lista é imensa. O nosso cotidiano é povoado dessa realidade computacional e virtual que nós chamamos de IA (Inteligência Artificial). O avanço dessas tecnologias é rápido e, ao que tudo indica, impossível de parar. Nisso tudo muito dinheiro está envolvido, muitas facilidades para a vida humana e muitos desafios sociais, que são, propriamente, desafios éticos e políticos. É nesse contexto que o professor Mark Coeckelbergh desenvolve suas pesquisas como professor de Filosofia da Mídia e Tecnologia na Universidade de Viena na Áustria e escreve o livro “Ética na Inteligência Artificial” (2022). O livro é fruto de suas pesquisas e assessorias em várias universidades, e de anos de experiência docente quando o assunto é mídias e tecnologias.

Um fato curioso, fruto dos novos tempos, é o prefácio à edição brasileira do livro. O prefácio começa com uma advertência: “Solicitado ao ChatGPT, com um prompt de comando proposto e revisto pelo autor”. Um prefácio de um livro sobre IA escrito pela própria IA. Admirável mundo novo! Assim, desde o próprio prefácio já percebemos que a IA é capaz de gerar novos textos, inéditos e virtualmente impossíveis de serem diferenciados de textos escritos por humanos. Os rápidos avanços dos modelos gerativos de linguagem, cada vez mais se assemelham à linguagem humana. Para o autor, essa realidade, por si só, produz novos desafios éticos e políticos para a sociedade contemporânea.

O livro apresenta o tema da IA e de como esse assunto gera euforia em alguns e medos em outros. A partir de vários exemplos do cinema, o autor discute o real impacto da IA na vida humana, e seu significado social e político. Outra discussão é sobre a possibilidade de uma superinteligência e a questão do transumanismo. Muitas especulações sobre futuro da IA são discutidos: É possível uma superinteligência que tomará controle da sociedade? As IA’s superarão a inteligência humana? Será possível a emulação ou uploading integral do cérebro humano? Precisamos aprimorar o ser humano: torná-lo mais inteligente, menos vulnerável às doenças, mais longevo e potencialmente imortal? A proposta do autor é superar as narrativas de competição e de hipervalorização, apontando para narrativas de colaboração entre a IA e os humanos.

Depois, a partir de uma discussão mais geral, o autor caminhará na direção da questão sobre o significado da IA e suas diferenças fundamentais com os humanos e a inteligência humana. Os computadores poderem ter inteligência, consciência e criatividade é a questão mais geral? Podemos criar IA’s com capacidades cognitivas semelhantes às humanas? Essas questões são discutidas a partir do pensamento de vários filósofos contemporâneos como, por exemplo, John Searle, Hubert Dreyfus, Paul Churchland, Daniel Dennett, Bruno Latour, Tim Inglod e outros. Modernidade, (pós)humanismo e pós-fenomenologia são as perspectivas teóricas que ajudam a discutir as questões.

Nesse tipo de abordagem não poderia estar de fora o questionamento sobre o estatuto moral da IA. O autor faz isso a partir da distinção entre agente moral e suscetibilidade moral. Por suscetibilidade moral entende-se a possibilidade ou ato de ser afetado moralmente. Nesse caso, podemos dizer que as IA’s são agentes morais, dado que elas tomam decisões? Se sim, os sistemas de IA precisam ter alguma capacidade de avaliar as consequências éticas de suas ações? A pergunta é: se uma IA fosse mais inteligente do que hoje é possível, podemos supor que ela seria capaz de desenvolver raciocínio moral e de aprender como seres humanos tomam decisões sobre problemas éticos? A discussão é bem maior do que resumi aqui, mas o importante, para o autor, é perceber que ao pensarmos sobre a IA, estamos pensando e aprendendo sobre nós mesmos, como pensamos, como nos relacionamos, como vivemos e como somos. Mais do que especular sobre ficção científica, devemos estar atentos ao fato de que as tecnologias menos visíveis, subjacentes e que povoam nosso cotidiano, muitas vezes pervasivas, poderosas e inteligentes, já moldam nossa vida hoje.

Ao falarmos de IA, temos que ter em mente que o processo de aprendizado das IA’s é fundamentado em estatística, é um processo estatístico de reconhecimento de padrões. Segundo o autor, algoritmos podem identificar padrões ou regras em dados e usar esses padrões para explicar os dados e realizar previsões sobre dados futuros. Ou seja, dados são o ponto de partida, não as teorias. Quais as aplicações desses processos? Reconhecimento facial, sugestões de busca na internet, dirigir um carro, realizar previsões de atos de determinada pessoa, recomendar músicas, oferecer produtos e serviços etc. Então, surge a pergunta pela privacidade e proteção de dados, a coleta de informações pessoais e o uso dos dados para vigilância. A crítica é a de que os usuários, por exemplo das mídias digitais, são uma espécie moderna de mão de obra gratuita que produzem dados para as empresas. A discussão aqui, abrangente e muito atual, é sobre o capitalismo digital.

Podemos atribuir responsabilidade moral às IA’s? Essa é a pergunta que sempre retorna diante de cada consideração. Quem é responsável pelos danos ou pelos benefícios das decisões da IA? Podemos chamar essas escolhas pré-definidas de decisões? Tudo isso é muito problemático. Na verdade, “muitas pessoas que usam a IA não sabem o que estão fazendo, no sentido de que não sabem o que a IA está fazendo, quais são seus efeitos. Ou nem mesmo sabem que ela está sendo utilizada”. A dificuldade é que podemos saber sobre o funcionamento da tecnologia no geral, mas é muito difícil, dada a imensa quantidade de variáveis, saber de antemão uma decisão específica, num dado contexto concreto.

A solução é unir inteligência e sabedoria. Um pensamento mais abstrato e de caráter cognitivo, associado a questões éticas e políticas. Buscando novas formas de entender a sabedoria prática e as virtudes, a partir de experiências corporificadas, relacionais e situacionais no mundo. Sabedoria e Tecnologia são os caminhos porque a IA é boa em reconhecer padrões, mas não se pode delegar sabedorias às máquinas, esse é uma virtude humana. Ao menos, por enquanto.

Elton Vitoriano Ribeiro, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia, e reitor da FAJE

...