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Sim à beleza, à verdade e à bondade

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Geraldo De Mori SJ

“Olhai os lírios do campo” (Mt 6,28). “Eu sou a verdade” (Jo 14,6). “E Deus viu que era bom” (Gn 1,4.10.12.18.21.25.31).

O pensamento filosófico, que está na origem da chamada razão conceitual, vista inicialmente como “amor à sabedoria” (= filosofia), teve seus inícios na atitude de “admiração”. A gratuidade implicada nessa atitude não era total, pois o olhar filosófico buscava as “razões” das coisas, sua inteligibilidade mais profunda. O que mais chamava a atenção dos que inauguraram esse modo de conhecer a realidade e se relacionar com ela era a harmonia do mundo, captado justamente como “cosmos” (= harmonia). Naquilo que contemplavam, os filósofos percebiam algumas características, como a de ser uma manifestação do ser, que, por sua vez, tinha como propriedades a unidade, a beleza, a verdade e a bondade. Posteriormente, na Idade Média, alguns teólogos cristãos identificaram nessas propriedades o que denominaram de transcendentais do ser. A tradição cristã e boa parte da reflexão filosófica posterior se detiveram, sobretudo, em três desses transcendentais: o belo (pulchrum), o verdadeiro (verum) e o bom (bonum). Grande parte do itinerário filosófico e teológico do Ocidente foi, até uma época recente, plasmada por eles. Nas últimas décadas, contudo, a crise da “razão forte” e de suas “grandes narrativas” e a afirmação das alteridades, que caracterizam a pós-modernidade, questionam o que era tido como padrão de beleza, critério de verdade e norma de bondade. É possível uma existência sem a referência desses transcendentais?

A resposta a essa questão é complexa e exige uma série de esclarecimentos, além de implicar a proposta de um itinerário a ser percorrido, cujo começo será a passagem pela via da beleza. Essa opção, por sua vez, é também controversa e questionável, sobretudo num tempo que faz a apologia da pós-verdade e tanto desprestigia a ética.

De fato, não é tão simples falar de beleza, verdade e bondade quando os próprios fundamentos dessas ideias são desconstruídos. Pode parecer autoritarismo, imposição ou colonialismo defender tais transcendentais num tempo e numa cultura que advogam a irrupção do belo, do bom e do verdadeiro como constitutivos de cada um de seus fragmentos, não aceitando mais a afirmação de um absoluto tido como “a” beleza, “a” verdade ou “a” bondade com caráter universal. Para quem tem fé, porém, aquilo em que se crê ou Aquele no qual se coloca toda a esperança, certamente ganha o caráter de Absoluto. Mas, que direito tenho de impô-lo a alguém ou mesmo de propô-lo, uma vez que a crença do outro também tem o mesmo direito de ser dita absoluta como a minha?

Bento XVI classificou a cultura contemporânea como marcada pela “ditadura do relativismo”, incapaz, portanto, de aceder à beleza, à bondade e à verdade do mundo, uma vez que para o relativista, tudo é relativo, ou seja, objeto de opinião, nunca de um saber seguro, que afirme algo do que é constitutivo da realidade. Seguramente esse juízo sobre a cultura contemporânea, marcada pela fragmentação e pela dificuldade em aceitar afirmações absolutas, é bastante severo. Já Aristóteles dizia que o ser podia ser dito de muitas maneiras. O mesmo se pode afirmar das noções de beleza, bondade e verdade, que, sem dúvida alguma, podem igualmente ser ditas de muitas maneiras. Plurais também são os caminhos que conduzem a elas. Certamente o consenso sobre o que é belo, verdadeiro e bom não é tão fácil, como mostram os inúmeros esforços de diálogo intercultural e inter-religioso. O teólogo suíço Hans Urs von Balthasar, ao falar da verdade, dizia que ela é “sinfônica”. Esta perspectiva pode iluminar os extremos dos que defendem a impossibilidade de se chegar a afirmações absolutas e dos que, ao contrário, se apegam àquilo ou Àquele que lhes parece ser o único e totalitário Absoluto, a ser imposto a todos. Segundo o filósofo Paul Ricoeur, a afirmação do Absoluto é lugar de atestação e não de imposição, ou seja, é possível dizer aquilo ou Aquele que dá sentido à própria existência sem que isso obrigue o outro a aceitá-lo. No último capítulo da Fratelli tutti, o Papa Francisco fala justamente disso. Segundo ele, “outros bebem doutras fontes. Para nós, este manancial de dignidade humana e fraternidade está no Evangelho de Jesus Cristo. Dele brota, para o pensamento cristão e para a ação da Igreja, o primado reservado à relação, ao encontro com o mistério sagrado do outro, à comunhão universal com a humanidade inteira, como vocação de todos” (FT, n. 277).

Essas considerações e as que se seguirão nos próximos textos pretendem oferecer alguns elementos que ajudem a pensar o lugar da beleza, da verdade e da bondade na vida do ser humano em cada época da história em que se encontra, mas, sobretudo, no tempo presente, marcado por tantas formas de negação dessas propriedades constitutivas do ato do conhecimento, do ser e do agir humanos. O caminho proposto terá como ponto de partida a via da beleza, passando, em seguida, pela via da verdade para concluir com a via da bondade. O privilégio da estética sobre a metafísica e a ética não é um privilégio de princípio, mas meramente gnosiológico, ou seja, tenta levar em conta o ponto de partida do conhecimento, além de corresponder, em parte, a muitos elementos da cultura contemporânea, marcada pelos sentidos e que precisam ser levados em conta se se quer realmente entrar em diálogo fecundo com ela.

Geraldo Luiz De Mori SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

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