Bruno Pettersen
Você já ouviu falar dos bebês reborn? Aqueles bonecos incrivelmente realistas que algumas pessoas tratam como se fossem de fato crianças? À primeira vista, pode parecer apenas uma loucura, uma excentricidade sem sentido. Mas será que isso não revela algo mais profundo sobre a condição humana?
Claro, precisamos começar pelo óbvio: se uma pessoa tenta levar um bebê reborn para ser atendido no SUS, isso é um erro. Furar uma fila com um boneco, por mais realista que seja, está evidentemente errado. Bonecos não têm prioridade em filas, não precisam de vacinas nem de pediatra. Até aqui, não há muito o que discutir.
Mas, a partir desse exemplo, há algo que merece atenção. Os bebês reborn, como qualquer objeto carregado de sentido, nos dizem algo sobre quem somos. Nós, seres humanos, não vivemos apenas entre coisas — vivemos entre símbolos. O mundo não é apenas o que é, mas o que significa para nós. Por isso, um gesto com o dedo pode significar aprovação, uma camiseta pode representar uma paixão, e até um boneco pode ser investido de afeto e cuidado.
Quando alguém faz uma festinha para um bebê reborn, não está simplesmente brincando com um boneco. Está atribuindo a ele um significado simbólico: ele representa algo importante, talvez um desejo, uma ausência, uma lembrança, uma forma de afeto. É assim que funcionamos como humanos. A comida que comemos, por exemplo, muitas vezes carrega uma memória afetiva. Comemos para lembrar de alguém, para nos confortar, para reviver momentos. Tudo isso são formas de simbolizar a vida.
O problema não está em simbolizar. O problema começa quando exageramos ou naturalizamos símbolos a ponto de desrespeitar os outros por causa deles. Isso vale para os bebês reborn, mas vale também — e as vezes de forma mais grave — para as camisas de futebol. Quantas vezes alguém é agredido por estar com a “camisa errada”? O que era para ser apenas um símbolo de identidade e paixão se torna motivo para hostilidade e violência.
No Mineirão, por exemplo, a rivalidade entre torcidas é tão intensa que elas precisam ser separadas fisicamente. Isso mostra o peso que damos aos símbolos — e como, às vezes, deixamos que eles nos impeçam de ver o outro como humano. De um lado, temos mulheres cuidando de bonecos como se fossem filhos. De outro, temos homens prontos para agredir por causa de uma cor de camisa.
Esse funcionamento simbólico da nossa cultura tem sido analisado por muitos pensadores. Um dos mais famosos atualmente é Yuval Harari, autor de Sapiens, que mostra como a história humana é, em grande parte, a história da nossa capacidade de criar e acreditar em símbolos. É essa capacidade que nos permite viver em sociedades, seguir leis, fundar religiões, construir nações — e dar sentido afetivo a um boneco de vinil.
A questão, então, não é se bebês reborn são “normais” ou “estranhos”. A questão é: que símbolos você carrega consigo? Que objetos, hábitos ou roupas representam algo tão importante que você estaria disposto a brigar por eles — ou, quem sabe, a amar através deles? No fim das contas, somos todos humanos tentando dar sentido à vida.
Nesse sentido, o limite precisa ser o outro. Se as nossas crenças e símbolos geram danos ao outro, precisamos assentar contornos claros, sejam bonecos ou camisas com cores diferentes.
Bruno Pettersen é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE
12/06/25
Foto: Sérgio Photone / Shutterstock