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Suspeita versus caridade: dois princípios hermenêuticos possíveis

Elton Vitoriano Ribeiro, SJ

Encontramos no Evangelho de Marcos um princípio hermenêutico para a vida: “Com a medida com que medis, também sereis medidos! (Mc. 4,24)”. Parafraseando a ideia anterior podemos dizer: Como interpretas a realidade, serás interpretado! Esse princípio hermenêutico de vida nos coloca diante de uma importante realidade humana: nós interpretamos nossas vidas o tempo todo! Somos seres hermenêuticos, seres de interpretação. Mas, o que é hermenêutica?

Na origem, a palavra hermenêutica esteve associada à arte de interpretar. Compreendida como uma simples disciplina auxiliar, um conjunto de regras para bem interpretar textos; a hermenêutica foi compreendida como significar, declarar, anunciar, interpretar, esclarecer e traduzir, ou seja, como tornar compreensível e conduzir à compreensão. A palavra hermenêutica ganhou força no domínio teológico como arte da compreensão, como doutrina da boa interpretação no sentido utilizado pela interpretação das Escrituras, de uma interpretação correta e objetiva. Depois, a partir dos séculos XVII e XVIII, a palavra aparece empregada em outros campos do saber humano como a filologia e o direito, para citar dois exemplos. Com o desenvolvimento dos estudos sobre hermenêutica, três grandes possibilidades de compreensão surgiram: (1) a hermenêutica como arte de interpretar os textos; (2) a hermenêutica como reflexão metodológica sobre a pretensão de verdade e sobre o estatuto científico das ciências humanas; e (3) a hermenêutica como filosofia universal da interpretação.

Mas, como o estudo da hermenêutica pode nos ajudar em nossa vida cotidiana, em nossas interpretações sobre aquilo que vivemos e fazemos? Essa é uma questão complexa. Simplificando para começar a conversa, em nossas vidas temos dois princípios hermenêuticos possíveis: a hermenêutica da suspeita e a hermenêutica da caridade. Claro, nos novemos e existimos entre elas, mas uma caracterização, mesmo que rápida, pode nos apontar caminhos.

Por um lado, ao falarmos de hermenêutica da suspeita somos remetidos aos famosos “mestres da suspeita”. Essa expressão foi cunhada por Paul Ricoeur ao falar das perspectivas de Marx, Freud e Nietzsche. Nós, contemporâneos, somo filhos da suspeita, quer dizer suspeitamos de tudo e de todos. Vivemos na desconfiança, na suposição de que o outro quer nos enganar ou tirar proveito. Isso não é de todo ruim. Os mestres da suspeita nos ensinaram que detrás dos eventos culturais existe uma vontade de poder, nos subterrâneos das estruturas sociais existem ideologias excludentes e dentro de nós mesmos existe um inconsciente a nos influenciar silenciosamente. Como disse Guimarães Rosa: “Viver é muito perigoso… Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar. Esses homens! Todos puxavam o mundo para si, para o concertar consertado. Mas cada um só vê e entende as coisas dum seu modo”. Assim, os mestres da suspeita nos ensinam que nas entrelinhas existem omissões e contradições, ilusões da consciência e mentiras, dominações e preconceitos.

Por outro lado, as nossas interpretações são um movimento entre suspeita e caridade. Daí a importância do princípio da caridade na interpretação. Esse princípio foi desenvolvido pelo filósofo Donald Davidson. O princípio da caridade é um princípio que nos propõe que, ao interpretar as palavras de alguém, devemos assumir que a melhor interpretação possível dessa declaração é aquela que a pessoa pretendeu dizer.

Em princípio, não devemos interpretar atribuindo ao argumento de outra pessoa falsidades, falácias e irracionalidade. Quando alguém nos apresenta um argumento que pode ser interpretado de formas diferentes, devemos presumir que a pessoa pretendeu apresentar a mais correta e razoável. Essa hermenêutica da caridade, essa forma de interpretar, traz muito benefícios. Para começar, ela nos ajuda a entender melhor os outros porque não estamos o tempo todo tentando descobrir problemas, mas abertos a tentar partilhar o mesmo caminho interpretativo que o outro. Com isso nós aprendemos a desenvolver melhor nossos próprios argumentos e habilidades de raciocínio, porque pretendemos transmitir da melhor forma possível nossa mensagem. Finalmente, esse princípio acolhe a fala do outro. Todos nós gostamos de falar com pessoas que fazem um esforço verdadeiro para nos entender, e ninguém gosta de falar com alguém que fica o tempo todo questionando e criando um clima de litígio na conversa. Consequentemente, isso faz com que os outros, também, estejam mais dispostos a nos ouvir, caridosamente, ao falarmos. É um jogo de ganha-ganha como encontramos, maravilhosamente, no diálogo de Jesus com o Mestre da Lei no Evangelho de Marcos (Mc. 12, 28-34).

Equilibrar a suspeita com a caridade pode ser um bom estilo de vida. Interpretar a vida, as questões, os outros e a existência com uma boa dose de caridade, por princípio, é uma forma de, como genialmente disse Ricoeur, entender que hermenêutica, no final das contas, é interpretar a vida no espelho do texto.

Elton Vitoriano Ribeiro, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia, e reitor da FAJE

Imagem: Shutterstock IA

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