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Tu esperas ser feliz no futuro?

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 Luiz Sureki SJ

Muita gente responderá sim a essa pergunta, afinal para que trabalhar tanto, se dedicar tanto, investir tantos esforços e energia em fazer o que se faz, senão com vistas a uma vida feliz no futuro?

Como é da natureza da filosofia encontrar problemas onde parece não haver, consideremos uma primeira tese hipotética que diz: “uma vida calma e modesta nos trará mais felicidade do que a busca constante do sucesso e do desassossego que vem com essa busca”.

De fato, não é mais um fenômeno raro assistirmos a reportagens e narrativas de pessoas bem-sucedidas social e economicamente que decidiram abandonar a vida agitada dos grandes centros urbanos industriais e comerciais, os escritórios, a tecnologia dos computadores e celulares de última geração, a internet, os arranha-céus, os carros cobiçados no mercado, as roupas de grife etc., para viver de modo mais modesto e discreto no “interior”, no campo, na chácara ou até mesmo na floresta, em uma casinha simples de madeira, cultivando a terra para a produção (quase artesanal) de alimentos, como hortaliças e grãos comestíveis, manejando de forma sustentável o ambiente com vistas somente à autossustentação, tudo muito sóbrio e bem distante do agronegócio e da alta competitividade da produção em série.

Mas, por quê? Se a tese hipotética acima for verossímil, a resposta é: porque a busca constante pelo sucesso ou para manter-se na situação de alguém bem-sucedido na sociedade de produção e consumo, assim como a “necessidade” de parecer e aparecer “feliz” para os demais, traz consigo, existencialmente falando, um desassossego extremamente incômodo. A busca por obter sossego e comodidade amanhã traz consigo desassossego e incômodo hoje.

Desde aí, podemos sondar uma segunda tese hipotética que diz: “pessoas que buscam demais não vivem, porque a vida é agora e a busca está sempre atrelada ao futuro ou à manutenção de um status quo duradouro”.

Em favor dessa tese hipotética, devemos considerar o fato de que não basta a alguém ter chegado a um patamar social e economicamente elevado. Isso porque lhe será sempre necessário, de algum modo, elevá-lo sempre mais, ascender mais, buscar o topo, o primeiro lugar, conjugando, ao mesmo tempo, os muitos esforços que se têm que dispender para não regredir, já que algum regresso seria logo visto por outros e pela mídia implacável como um evidente fracasso pessoal.

“Pessoas que buscam demais não vivem!” porque a busca lhes remete para o futuro como o tempo em que supostamente haverão de viver mais plenamente, desfrutar da vida, serem ou sentirem-se felizes. O problema é que o amanhã em relação ao hoje será o mesmo que é o hoje em relação ao ontem! Se tu esperavas ontem ser feliz hoje, e se hoje continuas esperando ser feliz amanhã, e se teu amanhã (que será sempre teu hoje) desloca mais uma vez tua busca de felicidade para o depois de amanhã, segue-se que tu nunca serás feliz, pois o único tempo em que realmente podes ser feliz é agora: o presente.

Raciocinemos mais um pouco: “o que tu verdadeiramente poderias acrescentar à tua vida, neste exato momento do presente em que realmente vives, pensando em algum outro momento futuro?” Note que enquanto estás pensando o quanto te falta agora para ser feliz no futuro, estás tirando a calma e a felicidade desse teu agora existencial.  Entender isso é fundamental para se viver mais feliz e em paz.

O que vai acontecer quando tu perceberes que a insatisfação não cessa e, por conseguinte, que a satisfação definitiva que esperas nunca chegará? O que vai acontecer quando diante da iminência da morte não tiveres nem passado nem futuro; e tudo o que realmente há e importa ou pode importar é tão somente o que tu és? Com efeito, as coisas, assim como os títulos que conquistastes ou que ainda conquistarias no futuro não podem te tornar nem maior nem menor do que o que tu és agora.

Daí uma última tese hipotética: “a única satisfação verdadeira possível é ser o que nós somos”. Não é isso, na verdade, o que todos nós buscamos? Não estaria o nosso verdadeiro Eu, nossa consciência, se perdendo debaixo da identificação com as coisas? Nada no mundo da forma nos satisfaz por muito tempo, mesmo que seja algo extraordinário no início. Se a insatisfação for nossa companheira do presente, ela se tornará um estado permanente, e isso pelo simples fato de que só se vive no presente! É preciso, pois, trocarmos a insatisfação com a vida vivida pelo entusiasmo de viver.

É claro que precisamos olhar para frente para saber aonde vamos e planejar os nossos próximos passos. Mas é preciso ainda que olhemos em outras cinco direções: para trás, para lembrarmos de onde viemos e evitar os erros do passado; para baixo para certificarmo-nos de que não estamos pisando em outras pessoas e causando sua ruína ao longo do caminho; para a direita e para a esquerda para ver quem está lá para nos apoiar e quem precisa do nosso apoio; para cima, para lembrarmos da providência divina que cuida de tudo e de todos; e para dentro, para avivarmos a consciência de quem somos agora e o que pode nos tornar melhor no hoje de nossa vida. Não projetemos nossa felicidade tão somete para o futuro, porque estaremos constantemente infelizes no único tempo que realmente dispomos para viver; repitamos uma vez mais: o presente!

É interessante considerar que, em português, o termo “presente” também significa dom, algo que é dado, doado; e que a vida é um presente que recebemos para ser aberto agora, no presente de nossa vida, antes que a feliz celebração dessa nossa vida hoje se acabe amanhã numa dolorosa história de vitimização, insatisfação, frustração, ressentimento, incompletude, vazio existencial. “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida? Ou que daria o homem em troca da sua vida?” (Mt 16, 26). E o que poderia dar o homem, que tivesse algum valor pelos menos similar ou comparável à sua própria vida? Se a resposta for “tudo” o que ele tem ou adquiriu na vida, então não importa muito o que ele já teve, tem ou o que ainda poderá ou poderia ter; e as projeções inquietantes de aquisições futuras serão tão insignificantes hoje e amanhã quanto as que tinha ontem em relação a hoje! Mas se a resposta for “nada”, porque nada pode se igualar ou ser comparado à própria vida, a ponto de poder ser trocado ou substituído por ela, então chegou a hora de questionar, em nome da própria vida vivida no presente, a ilusão do futuro feliz que a mente constantemente produz.

Se, por um lado, o ter que abrir mão da ilusão da vida feliz no futuro nos incomoda no presente, por outro lado, talvez seja justamente o reconhecimento desse evidente incômodo no presente, como ilusório em relação à concretude da vida, a solução realmente eficaz para podermos viver mais feliz hoje e/ou de hoje em diante. E, mais ainda: não importa se somos cristãos ou não, pois também a mensagem do evangelho de Jesus Cristo não pode ser um simples anestésico ou ópio para que suportemos a insatisfação e as frustrações de nossa vida vivida no passado e no presente em nome de uma vida futura (eterna) plenamente satisfeita num futuro escatológico, considerando esta vida escatológica plena como uma espécie de prêmio divino de consolação ou de recompensa que nos será dada por Deus pela vida infeliz que vivemos neste mundo. Cristãos não pautam sua vida por representação de recompensa futura de salvação por terem vivido uma vida infeliz, mas antes tomam a salvação como o já realizado em suas vidas e, por conseguinte, como fundamento de seu bem viver, sua alegria e sua felicidade. O mesmo amor divino que cria é o mesmo que recria, que salva.

Com isso fica dito que se a reflexão filosófica nos convida a voltarmo-nos para o presente da vida, a reflexão teológica não é nem pode ser muito diferente; afinal Deus é onipresente, e o perfeito presente é o “tempo” de Deus! Criados por Deus à sua imagem e semelhança, trazemos em nós esse “presente”, esse tempo em que realmente somos o que nós somos o tempo todo diante de Deus, independente das poucas ou das muitas coisas que tivemos, que temos, que podemos, que poderemos ou que poderíamos vir a ter. Nada do que por nós é conquistado é maior do que nós mesmos, e, por isso, nada acrescenta substancialmente ao nosso ser. Morrer hoje ou morrer amanhã será sempre o presente de quem morre: ninguém realmente morre amanhã! E se não estamos prontos e preparados para morrer hoje, por qual motivo estaríamos tão bem prontos e preparados para morrer amanhã, se o amanhã não se distingue verdadeira e substancialmente do cronológico prolongamento do hoje em que vivemos? Parece que todo homem tem duas vidas, mas a sua segunda vida só começa quando ele descobre que só tem uma! Pense nisso!

Luiz Sureki SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE

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