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Um elogio à Wikipedia

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Bruno Pettersen

Eu sempre adorei enciclopédias. No entanto, durante os meus primeiros anos de ensino básico, eu não tive acesso a uma enciclopédia em casa. Isso mudou quando eu tinha por volta de 10 anos. Não me lembro dos detalhes, mas chegou na minha casa uma enciclopédia em 12 volumes, organizada em ordem alfabética, chamada “Delta Junior”. Isso foi no já longínquo ano de 1991. Foi uma felicidade na minha vida de leitor. Eu adorava ler os verbetes, que eram coloridos e com muitas imagens. Quase todos os dias eu ficava com um dos volumes nas minhas mãos, lendo o primeiro verbete que aparecia ao folhear as páginas.

Mas era uma enciclopédia bem velhinha já. Ela era de 1964. Uma das minhas grandes surpresas ao ler o verbete era que o homem ainda não tinha ido à Lua – certamente o verbete que eu mais queria ler -, e que Mato Grosso do Sul e Tocantins ainda não estavam no mapa do Brasil. Apesar dos problemas, eu simplesmente adorava a Delta Junior, e só em pensar no nome dela eu já fico com um sorriso no rosto.

Por volta de 2000 tive acesso à minha primeira enciclopédia virtual, a Encarta. Ela foi um projeto da Microsoft que começou como uma tentativa de transformar a experiência das enciclopédias em um processo digital. No meu primeiro computador, comprado no fim de 2000, eu consegui uma versão da Encarta e adorava ler os conteúdos. Mas a verdade é que a Encarta sempre foi um software pago, o que dificultava enormemente o meu acesso.

A minha história com as enciclopédias mudou radicalmente por volta de 2004 com o meu primeiro contato com a Wikipedia, que surgiu em 2001. Ela tinha uma perspectiva diferente de tudo o que eu jamais vi em uma enciclopédia. Como fundamento, a Wikipedia é de uso livre, princípio fundamental que é atribuído ao programador e defensor de softwares livres Richard Stallman. Depois, ela não estava baseada em nenhum meio físico, seja livros (como a Delta Junior) ou em CDs ou DVDs (como a Encarta) – a Wikipedia é completamente online. E principalmente, a Wikipedia é uma “Wiki”.

Provavelmente, você que usa com frequência a internet já pode ter encontrado uma “Wiki”. Vários dos meus interesses pessoais e hobbies estão disponíveis na internet como wikis, e sou um voraz leitor delas. Apesar dos meus acessos frequentes, eu não conhecia o significado de “Wiki”. Segundo a Wikipedia, a palavra “Wiki” tem origem na língua havaiana e significa “rápido”. De modo geral, uma wiki é uma base de dados colaborativa, escrita, ilustrada e guiada por voluntários que podem editar e reorganizar os artigos. Deixe-me dar um exemplo. Digamos que eu tenha grande interesse em xadrez. Eu posso criar uma wiki onde colaboradores de todas as partes do mundo podem criar artigos sobre todos os aspectos do jogo. Esses artigos serão lidos por toda a comunidade que se interessa por xadrez e eventualmente erros serão encontrados nos artigos escritos, e caso você deseje corrigir os erros, pode se inscrever como membro da wiki e corrigir o erro, editando o verbete que você leu. Inclusive, se for o seu caso, basta acessar https://chess.fandom.com/wiki/ para ir direto para a wiki do xadrez. Neste sentido, a wiki é uma proposta de desenvolvimento colaborativo do conhecimento, sem restrições de localidade ou da posse de credenciais para a participação.

Esse aspecto livre e democrático das wikis, às vezes, gera problemas. Em alguns casos as pessoas que escreveram o artigo em uma wiki não dão as referências necessárias. Em outros casos, pessoas podem simplesmente dar uma informação errada, em alguns casos por ignorância ou, em outros, por má-fé. Como as wikis são colaborativas, elas carregam problemas inerentes à própria sociedade humana. No entanto, as wikis que eu acesso são extremamente bem cuidadas. Os usuários mais frequentes sempre estão verificando os novos artigos e as edições de artigos passados, e raramente erros importantes são observados por muito tempo. Quando não há segurança na informação, quase sempre isso é avisado. Mas ninguém faz isso tão bem quanto a maior de todas as wikis, a Wikipedia.

Todos os artigos da Wikipedia foram e são escritos de modo livre e sem custos, por pessoas de todas as partes do mundo. Os artigos são sempre atualizados, às vezes com minutos de diferença da ocorrência de um determinado evento. Quando faltam referências ou as informações estão inseguras, isso nos é comunicado. No entanto, pelo tamanho, a Wikipedia tem moderadores que frequentemente verificam as edições feitas aos artigos, em especial aos artigos mais sensíveis, como aqueles que envolvem políticos. O artigo da Wikipedia de Getúlio Vargas, por exemplo, é potencialmente polêmico, por isso ele é muito bem cuidado pelos editores e extremamente preciso (dados da própria Wikipedia), tendo, neste momento, nada menos do que 126 notas de rodapé e só pode ser editado por pessoas previamente indicadas. O artigo da Wikipedia sobre o Brasil tem impressionantes 96 fontes de pesquisa citados (livros, artigos, etc.), 427 notas de rodapé, além de periódicos e leituras adicionais. O cuidado com esse verbete é simplesmente incrível, especialmente dada a sua natureza colaborativa.

Todas as outras tentativas de realizar uma biblioteca central e de reunir todo o conhecimento humano, como em Alexandria ou a própria “Enciclopédia” de D’Alembert e Diderot, são tentativas impressionantes. Mas o ápice desta realização é a Wikipedia. Todo o conhecimento é atualizado diariamente, erros são corrigidos com grande rapidez. E mais importante do que isso, tudo isso é feito de modo colaborativo, indicando que a posse do saber não é de uma pessoa ou grupo, mas da própria humanidade. Enquanto manutenção e propagação do conhecimento, nenhum empreendimento é mais importante do que a Wikipedia. Ela carrega vários de nossos defeitos, como a propensão ao erro e à má-fé, mas ao mesmo tempo, ela é feita com boa vontade e cuidado.

O Bruno de 10 anos que teve acesso à sua primeira enciclopédia não precisaria esperar anos para descobrir que Tocantis era um estado, precisaria no máximo de alguns minutos depois da promulgação da lei. Eu certamente teria ficado horas e mais horas pulando na leitura de artigo em artigo. O Bruno de agora ainda adora fazer isso.

Bruno Pettersen é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE

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