É possível falar em virtudes anticapitalistas?

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Elton Vitoriano Ribeiro, SJ

A importância da dimensão econômica na vida social, especialmente nas sociedades contemporâneas, é cada vez mais patente. O problema da produção de riqueza e sua distribuição, a economia de mercado, a justiça distributiva e a globalização, formam partes fundamentais das estruturas das sociedades capitalistas contemporâneas. Nesse contexto, o capitalismo, seja como ordem social institucionalizada, seja como forma de vida, torna-se o ponto fulcral de análise, e por vezes crítica, da filosofia social. Ora, nesta realidade em que vivemos é possível falar em virtudes anticapitalistas?

Para meu argumento, leio um texto importante do filósofo Alasdair MacIntyre, de 2015: The irrelevance of Ethics, publicado com um capítulo do livro Virtue and Economy: Essays on morality and markets. MacIntyre critica a economia de mercado e o setor financeiro argumentando que um agente ético terá muita dificuldade em trabalhar neste setor porque falta ao mercado uma dimensão ética. Isso porque, um bom operador do sistema financeiro é alguém treinando em virtudes específicas para uma boa negociação que gere lucros e não que se preocupe com a aquisição das virtudes morais. Tal situação parecer ser difícil de ser contornada. Alguns sugerem cursos de ética para agentes da área financeira, mas na opinião de MacIntyre: “Não temos motivos para acreditar que o ensino de cursos de ética produza qualquer transformação moral significativa naqueles que são submetidos a eles”.

Outro aspecto importante da crítica de MacIntyre é sua crítica às finanças contemporâneas, especialmente, na forma como pensamos sobre o dinheiro. De forma breve: o dinheiro é um meio para outros bens; mas nas sociedades contemporâneas financeirizadas o dinheiro gera dinheiro sem limites, perdendo a conexão com bens reais. Como resultado disso, cada vez mais medimos os seres humanos pela quantidade de dinheiro que eles possuem. Finalmente, esses pontos levam MacIntyre a propor que é necessário repensar a economia política, as instituições sociais e o próprio conceito de trabalho e trabalhador para essa nova realidade econômica que encontramos atualmente.

Diante do contexto comentado nosso autor se pergunta sobre quais são as virtudes necessárias para que agentes da área financeira possam agir como agentes moralmente responsáveis. Quatro são as virtudes: (1) realismo moderado de si mesmo, (2) coragem, (3) justiça e (4) senso do contexto histórico.

Sobre a primeira virtude: é importante na vida ter um realismo moderado de si mesmo. Conhecer nossas possibilidades, responsabilidades e caraterísticas pessoais. Equilibrar-se entre nossas projeções fantasiosas sobre nós mesmos e uma complacência exagerada, buscando o equilíbrio que se faz presente num realismo moderado sobre si mesmo é fundamental.

As virtudes da coragem e da justiça são mais tradicionalmente conhecidas e discutidas. A coragem caracteriza-se por saber avaliar os perigos, identificar os recursos disponíveis e julgar os riscos identificando os que são razoáveis de serem assumidos. Essa é a virtude que se distingue entre a temeridade e a covardia. Aqui a virtude da justiça pode ser caracterizada como aquela que possui um senso de percepção do contexto e dos bens comuns compartilhados para a escolha da justa medida a ser determinada, perseguida e realizada. A virtude da justiça, assim especificada, é importante porque é muito comum na atuação dos agentes financeiros a busca dos interesses próprios sem preocupação com os outros, especialmente, na busca da maximização dos lucros, por exemplo.

A virtude do senso do contexto histórico, a partir do que dito antes sobre a justiça, é uma virtude importante neste contexto. Essa virtude capacita o agente moral a compreender o senso da história e das tradições, tendo um olhar mais abrangente para perceber e interpretar, no presente, o passado e o futuro. É um ampliar a visão de curto prazo, própria do contexto financeiro de mercados, competição e lucros.

No final do texto The irrelevance of Ethics, nosso autor apresenta três breves conclusões. Primeiro apresenta-se cético com relação ao ensino da ética para agentes financeiros. O ensino da ética, nesse caso, não produz nenhuma transformação ou mudança, nenhum efeito significativo nas ações dos agentes financeiros no exercício das suas atividades. Depois, argumenta que treinar e propor virtudes morais não prepara ninguém para o trabalho e o sucesso no setor financeiro. Finalmente, o olhar cético ou realista de MacIntyre, o leva a concluir que nós não sabemos mais como relacionar, conectar e sintonizar os conteúdos e as propostas da ética com a maneira como entendemos e usamos o dinheiro.

Neste contexto que apresento aqui, as questões relativas às virtudes são necessárias para dar vida e carne às estruturas básicas das sociedades capitalistas. Daí a importância das virtudes vividas em comunidades e sociedades históricas. Assim, sendo plausível esta minha argumentação, proponho sete virtudes anticapitalistas como meios e disposições práticas de transformação social a partir da ação e prática de agentes sociais racionais dependentes. As sete virtudes anticapitalistas são: (1) Realismo moderado de si mesmo, (2) Coragem, (3) Justiça, (4) Senso do contexto histórico, (5) Solidariedade, (6) Sensibilidade comunitária e (7) Crítica sapiencial. As quatro primeiras são de MacIntyre e foram, antes, apresentadas. As três últimas eu as interpreto a partir de minha experiência com o estudo da Filosofia Social. Uma tarefa posterior será a desenvolver a compreensão dessas virtudes no contexto das sociedades capitalistas contemporâneas. Mas, aqui, para finalizar, fica como desafio prático e teórico a busca de uma vida social na qual, a partir das virtudes anticapitalistas, o florescimento humano e a coesão social sejam possíveis, e sejam força de transformação social.

Elton Vitoriano Ribeiro SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE

Imagem: Jay. D. Beagle – Shutterstock

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